João 1:1 – A Palavra Que Criou os Céus e a Terra

Estudo Sobre a Questão da Preexistência de Cristo (Parte IV)

I – INTRODUÇÃO

A história de Jesus é apresentada no Evangelho de João sob uma visão radicalmente diferente quando comparada com os outros evangelhos. Em toda a sua explanação, o evangelista João, além de relatar os fatos da vida de Jesus, ele explicou o que os fatos revelavam sobre ele. O evangelista escolheu cuidadosamente apenas fatos que ajudariam a responder uma importante questão, como: “Quem é Jesus?” De forma clara e concisa ele apresenta quase no final de seu evangelho a resposta a essa intrigante questão:

“Jesus pois operou também em presença de seus discípulos muitos outros sinais, que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos para que creiais que JESUS É O CRISTO, O FILHO DE DEUS, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome.” João 20:30 e 31.

As palavras do evangelista João ecoam fortemente até hoje, embora elas não sejam aceitas pela tradicional ortodoxia cristã que trabalha no sentido de fazer cumprir as decisões dos concílios da igreja romana e favorecer a doutrina da trindade.

O buscador da verdade deveria imitar o estilo de alguns de Beréia (Atos 17:11), que investigaram todas as coisas com o devido cuidado.

A verdade é que existem traduções tendenciosas que interpretam erroneamente certas passagens bíblicas, sendo que João 1:1 é uma delas.

A respeito de João 1:1 é correto afirmar que uma das principais intenções do evangelista seria provar que o Messias é um ser preexistente e sobretudo o grande soberano e criador do universo? Ou a sua intenção era para que todos cressem que Jesus é o Messias, o FILHO DE DEUS, o qual nasceria na condição de 100% homem para cumprir todos os planos e propósitos de Deus Pai, revelados aos Seus profetas no passado?


II – A INTERPRETAÇÃO DE JOÃO 1:1

Para se ter uma clareza meridiana que envolve esta passagem bíblica, torna-se necessário verificar como ela foi escrita em seu idioma original, o grego:

"EN ARCHÊ ÊN O LOGOS KAI O LOGOS ÊN PRÓSTON THEÓN KAI THEÓS ÊN O LOGOS"

Traduzindo:

"No princípio era a PALAVRA e a PALAVRA estava com Deus e Deus era a PALAVRA "

É muito importante observar como este texto foi escrito no idioma latim:

“IN PRINCIPIO ERAT VERBUM ET VERBUM ERAT APUD DEUM ET DEUS ERAT VERBUM”.

Traduzindo:

“No princípio era a PALAVRA e a PALAVRA estava com Deus e Deus era a PALAVRA.”

Tanto no original grego, como no latim, o termo "DEUS" é o sujeito da oração. Nenhuma dúvida envolve esta questão, pois assim encontra-se registrado nos originais dos idiomas grego e latim:

a) No original grego a frase final de João 1:1 encontra-se escrita assim: “...KAI THEÓS ÊN O LOGOS". (Tradução: “...e Deus era a Palavra”).

b) É também oportuno observar como a frase final de João 1:1 foi escrita no idioma latim: “...ET DEUS ERAT VERBUM”. (Tradução: “...e Deus era a Palavra”).

Estranhamente não é assim que a maioria das traduções bíblicas apresentam o texto final de João 1:1. Tendenciosamente os tradutores inverteram a frase final, conforme está registrado no original, e passaram a registrar falsamente como: "… a Palavra era Deus". Tomando-se como base essa mudança, o sujeito da frase passa a ser "a Palavra" e como consequência dá-se-lhe um atributo: "ser Deus", o que evidentemente não está escrito no original grego e nem no latim.

Mas qual é o verdadeiro sentido da expressão “LOGOS" (do grego) e “DAVAR" (do hebraico)? Em ambos os idiomas as expressões "Logos" e "Davar" são traduzidas como PALAVRA, e significam: expressão do pensamento; palavra proferida a viva voz que expressa uma concepção ou idéia; discurso; doutrina; ensino; etc.

O termo “PALAVRA” aparece cerca de 1.450 vezes somente no idioma hebraico bíblico. Pessoa literal não é encontrada em nenhuma das definições para as expressões "LOGOS" e "DAVAR". Entende-se, pois, que o termo “PALAVRA" nunca significou um ser pessoal e nem mesmo o "Filho de Deus".

Quando se analisa o livro de Gênesis constata-se que todas as coisas foram criadas através da PALAVRA de Deus. Por exemplo: "Disse Deus: Haja luz. E houve luz." Gênesis 1:3. Quando Deus “disse”, significa que Ele pronunciou a Sua palavra, como meio de Sua atividade criadora, Sua dicção poderosa.

O LOGOS de João no Novo Testamento tem as mesmas características do DAVAR do Antigo Testamento, pois possui uma dimensão que comunica um pensamento, uma intenção, ou seja, a PALAVRA que criou os Céus, a Terra e tudo o que neles há e também guia a história. Quando João escreveu que “todas as coisas foram feitas por intermédio da PALAVRA (do grego: LOGOS), e sem ela nada do que foi feito se fez” (ver João 1:3), ele simplesmente reporta seus pensamentos às palavras escritas pelo salmista:

“Pela PALAVRA (Do hebraico: DAVAR) do Senhor foram feitos os céus, e todo o exército deles pelo espírito da Sua boca. ...Pois Ele falou, e tudo se fez; Ele mandou, e logo tudo apareceu.” Salmos 33:6 e 9.

O profeta Isaías, por inspiração de Deus, traz luz sobre esse assunto ao esccrever o seguinte:

“Porque assim como a chuva e a neve descem dos céus e para lá não tornam, mas regam a terra, e a fazem produzir e brotar, para que dê semente ao semeador, e pão ao que come, assim será a PALAVRA que sair da Minha boca; ela não voltará para Mim vazia, antes fará o que Me apraz, e prosperará naquilo para que a enviei.” Isaías 55:10 e 11.

Afinal, qual era o pensamento de João a respeito de Jesus? O autor deste evangelho escreveu em João 20:31 que este livro foi escrito para que "creiais que Jesus é o Messias, o Filho de Deus e para que crendo, tenhais vida em Seu nome."

Observa-se, pois, que João defendeu em seus escritos a idéia de que Jesus é o FILHO DE DEUS e não como sendo ele o próprio Deus. Assim, não seria totalmente contraditório, logo no primeiro capítulo de seu livro, ele ensinar o contrário, isto é, que Jesus é Deus?

Mas porque razão as pessoas substituem a expressão "PALAVRA", como está escrita no original, por "FILHO"? O texto simplesmente diz que "no princípio era a Palavra" e jamais diz que "no princípio era o Filho". O impressionante é que a substituição de "PALAVRA" para "FILHO” teve uma poderosa e hipnotizante influência sobre os leitores da Bíblia, embora não houvesse, de fato, menção alguma ao Filho de Deus, até o versículo 14, onde diz que "a Palavra se fez carne e habitou entre nós, e vimos a sua glória, a glória do Filho único, cheio de graça e de verdade.".

Até o versículo 14, o evangelista João trata magistralmente da poderosa e criativa ação de Deus, em lugar de um ser individual como tal. Se a tradução de LOGOS ou DAVAR tivesse sido registrada como “EXPRESSÃO DE DEUS”, certamente entender-se-ia melhor o sentido do texto.

O termo “PALAVRA” tem uma conotação impessoal, da mesma forma como ocorre com o termo "vida eterna" encontrada em I João 1:2:

"Pois a vida foi manifestada, e nós a temos visto, e dela testificamos, e vos anunciamos a vida eterna, que estava com o Pai, e a nós foi manifestada."

Segundo este texto a "vida eterna" tem sido uma promessa que seria provida pelo Messias. O apóstolo Pedro parece fazer eco da mesma idéia quando descreve Jesus como o "Cordeiro de Deus" que foi "conhecido antes da fundação do mundo, porém manifestado nestes últimos dias” (I Pedro 1:20). A aplicação deste conceito a Jesus no verso 20 indica uma "preexistência ideal" nos eternos conselhos de Deus e não uma existência real em outra dimensão antes de seu nascimento como ser humano.

Portanto, o LOGOS mencionado em João 1:1 refere-se à identidade de Deus – Sua expressão, Sua razão, Seus propósitos, Sua sabedoria e planos, especialmente quando estes tornam-se concretos em Sua atividade criativa.


III – CONCLUSÃO

Um estudo sério da Palavra de Deus exige que se deva entender o que o termo “PALAVRA” significa no contexto do pensamento de João. Nos meios teológicos há o reconhecimento de que João é completamente judaico em sua abordagem, portanto, mergulhado nas Escrituras judaicas.

É muito comum nas escrituras hebraicas personificar um conceito, como a “sabedoria”, por exemplo. Nenhum provérbio judaico de leitura antiga pensaria na sabedoria de Deus como uma pessoa distinta, retratada tal como nas estrofes de Provérbios 8:22 a 31.

Baseando-se numa correta compreensão de que o LOGOS é a “expressão de Deus, Seu plano, propósito, razão e sabedoria”, fica mais claro dizer que isto tudo era com Ele, no princípio. Este conceito está em conformidade com as Escrituras Sagradas quando dizem que a sabedoria de Deus era “desde o princípio” (ver Provérbios 8:23).

Diz a Palavra de Deus que o LOGOS (plano de Deus, Seu propósito e sabedoria) se “fez carne” (ver João 1:14). Entendemos que aquilo que era um majestoso projeto, agora torna-se real, passou a ter uma existência física. O fato de a Palavra de Deus registrar que o LOGOS “se fez carne”, mostra que não existia assim antes. Não há preexistência de Jesus nesta estrofe à parte de sua existência figurada como plano, propósito ou sabedoria de Deus para a salvação da humanidade.

Não é por um acaso que o evangelho de João começa com a mesma frase de Gênesis 1:1 – NO PRINCÍPIO. Em Gênesis 1:1 Deus apresenta a história da antiga criação e em João 1:1 Deus apresenta a história da nova criação. Em ambas as obras, o principal agente é o LOGOS, a poderosa expressão de Deus que criou os céus e a terra.